quarta-feira, 28 de março de 2018

DIFICULDADES NA EXECUÇÃO DA TÉCNICA (erros/falhas)


O perfusionista, em particular, é um profissional de grande responsabilidade durante o procedimento cirúrgico, pois virtualmente terá em suas mãos e sob seus olhos a vida do paciente que está sendo operado. No período em que a circulação sanguínea e a respiração estão sendo mantidas artificialmente, a fisiologia orgânica deve ser monitorada e ajustada para ficar dentro dos mais estritos parâmetros da normalidade.
O estudo das trocas gasosas é fundamental para a condução correta da Circulação Extracorpórea. Sem conhecê-la de forma adequada, será impossível manter o paciente em condições perfeitas de fornecimento de oxigênio e substratos, seguidos da retirada de gás carbônico da forma mais perfeita possível. O controle da temperatura durante toda a operação é outro ponto de grande importância e suas implicações, tanto no período de hipotermia, muitas vezes necessária para diminuir o metabolismo, como no período do aquecimento, deverão fazer parte dos conhecimentos sólidos do perfusionista e de toda a equipe responsável pela condução do ato cirúrgico.
A hipotermia profunda com parada circulatória total é um procedimento que transcende a nossa imaginação, dando-nos a possibilidade de parar totalmente a circulação por uma hora ou mais, e depois do aquecimento, conduzido com critérios rígidos, ver o paciente voltar ao seu estado de metabolismo homeotérmico e à vida.
O estudo dos equipamentos e o conhecimento de cada detalhe do seu funcionamento são fundamentais, não só para o perfusionista, como para toda a equipe, que deverá trabalhar em perfeito entrosamento, de forma que nenhum detalhe escape à observação correta e instantânea do responsável, evitando, assim, colocar em risco a vida do paciente ou sua integridade física ou mental.
A entrada de ar no circuito arterial é um descuido desastroso, dependente exclusivamente da atenção permanente do perfusionista, que pode ser eventualmente auxiliado neste mister por sensores que detectem bolhas, interrompam o bombeamento do sangue e soem alarmes.
Para que os profissionais possam realizar a técnica com segurança, devem ter conhecimentos profundos, fortemente incorporados ao seu raciocínio, de forma que as decisões sejam automáticas e imediatas. Para adquirir estas habilidades, duas premissas devem ser contempladas: conhecimentos teóricos sólidos e treinamento exaustivo em serviços que tenham condições de ensinar com competência, responsabilidade e segurança os profissionais que se dediquem às funções específicas nesta área de atuação.



  • Discussão



Em uma revisão americana de incidentes críticos, os autores demonstraram que 82% dos acidentes estavam associados a erros humanos. Os erros mais comuns foram desconexões do sistema respiratório, troca de seringas com medicações, erros no controle de fluxo de gás e alterações no fornecimento de gases. Apenas 4% dos incidentes com desfecho negativo envolveram falha em equipamentos, imputando-se, assim, grande responsabilidade a fatores humanos. Um estudo australiano que analisou 896 incidentes relatou mau funcionamento de equipamentos em 234 dos casos (26%). Os equipamentos mais comuns envolvidos eram bombas de infusão e vaporizadores. Os maiores fatores contribuintes foram falha na checagem do equipamento (37%), desatenção (31%), pressa (14%) e equipamentos ou ambiente desconhecidos (10%). Os principais fatores para minimizar esses erros foram: a reverificação dos aparelhos (38%) e a detecção com monitores (33%). Uma revisão sobre incidentes com o uso de CEC envolvendo 671.290 procedimentos realizados em dois anos relatou 4.882 incidentes, sendo os mais comuns: reações à protamina (871), discrasias sanguíneas (857), falhas na bomba d’água (371), ar ou coágulo no circuito (657), dissecção arterial (293), falhas nos oxigenadores (272) e falhas mecânicas das bombas (260).




  •  Mau Funcionamento do Sistema de Circulação Extracorpórea: Relato de Caso



Durante a realização de uma cirurgia para troca valvar e correção de CIV em um paciente do sexo masculino de 49 anos e 63 kg, observou-se coloração escura do sangue na saída do oxigenador de membrana. Exames laboratoriais de gasometria arterial demonstraram acidose e hipoxemia grave. A saída da circulação assistida não foi possível, pois já fora realizada a cardiotomia. Iniciada hipotermia induzida com resfriamento ativo, administração de tiopental sódico, aumento do fluxo de oxigênio através do oxigenador e restabelecimento da ventilação pulmonar. Foi estabelecido um shunt temporário entre a circulação sistêmica e a pulmonar. A circulação extracorpórea durou 35 minutos e o desmame ocorreu sem drogas vasoativas. Ao término do procedimento cirúrgico, o paciente foi encaminhado à unidade de tratamento intensivo. Após 12 horas, apresentava abertura ocular espontânea, sendo extubado após 18 horas do término da cirurgia sem sequelas neurológicas. O sistema foi encaminhado para análise técnica e o equipamento submetido à inspeção. Não se detectou problema com o aparelho de CEC, porém o oxigenador de membrana apresentava uma grande fissura em sua tampa, o que impedia seu correto funcionamento.



 




No relato descrito, a fissura na tampa do equipamento impedia a correta oxigenação sanguínea. Apesar da checagem prévia do equipamento, a fissura não foi observada na inspeção inicial. A coloração azul da tampa e o local da quebra podem ter contribuído para essa dificuldade.
Além de fratura, o oxigenador e o circuito estão sujeitos a outros defeitos de funcionamento. Falhas de colagem, conectores ou tubos mal adaptados podem permitir vazamentos ou entrada de ar no circuito. Conectores com bordas amassadas podem provocar turbilhonamento com hemólise acentuada. Obstruções por dobras ou angulações podem impedir o fluxo, principalmente na perfusão neonatal, onde os tubos e as cânulas têm dimensões reduzidas e requerem fluxos relativamente mais elevados. O alto fluxo pode gerar força suficiente na cânula arterial para empurrá-la da aorta.
Os oxigenadores de membrana oferecem resistência à passagem sanguínea, gerando diferença de pressão entre a entrada e a saída do equipamento. A elevação do gradiente, com o aumento da resistência ao fluxo sanguíneo, pode ocorrer devido à deposição de coágulos na superfície da membrana, o que compromete o correto funcionamento do aparelho e gera altas pressões no sistema.
A obstrução do escape de gases do oxigenador de membrana pode produzir embolia aérea. O reservatório venoso deve conter volume de sangue proporcional ao fluxo arterial, evitando seu esvaziamento e, consequentemente, uma injeção maciça de ar pela bomba arterial.
Outro defeito de difícil constatação é o vazamento no permutador de calor. O rompimento de pontos de menor resistência no permutador permite a transferência da água do sistema de troca de calor para o sangue arterial, produzindo hemólise, intoxicação hídrica e infecção. Deve-se respeitar o gradiente máximo de 10oC entre a temperatura da água e a do sangue arterial, principalmente nas fases de resfriamento e reaquecimento, evitando microembolias aéreas decorrentes de variações de solubilidade dos gases a diferentes temperaturas.
Em suma, a participação do perfusionista não pode ser subestimada, pois desempenha papel importante na segurança dos procedimentos de CEC, seja por sua ação direta ou por ação dos equipamentos e aparelhos. Falha humana, falta de manutenção preventiva, uso inadequado dos dispositivos de segurança, falha na montagem e checagem dos equipamentos constituem fatores capazes de favorecer a ocorrência de acidentes.



http://www.scielo.br/pdf/rba/v61n6/v61n6a10.pdf

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