O perfusionista, em particular, é um profissional de grande
responsabilidade durante o procedimento cirúrgico, pois virtualmente terá em
suas mãos e sob seus olhos a vida do paciente que está sendo operado. No
período em que a circulação sanguínea e a respiração estão sendo mantidas
artificialmente, a fisiologia orgânica deve ser monitorada e ajustada para
ficar dentro dos mais estritos parâmetros da normalidade.
O estudo das trocas gasosas é fundamental para a condução
correta da Circulação Extracorpórea. Sem conhecê-la de forma adequada, será
impossível manter o paciente em condições perfeitas de fornecimento de oxigênio
e substratos, seguidos da retirada de gás carbônico da forma mais perfeita
possível. O controle da temperatura durante toda a operação é outro ponto de
grande importância e suas implicações, tanto no período de hipotermia, muitas
vezes necessária para diminuir o metabolismo, como no período do aquecimento,
deverão fazer parte dos conhecimentos sólidos do perfusionista e de toda a
equipe responsável pela condução do ato cirúrgico.
A hipotermia profunda com parada circulatória total é um
procedimento que transcende a nossa imaginação, dando-nos a possibilidade de
parar totalmente a circulação por uma hora ou mais, e depois do aquecimento,
conduzido com critérios rígidos, ver o paciente voltar ao seu estado de
metabolismo homeotérmico e à vida.
O estudo dos equipamentos e o conhecimento de cada detalhe do
seu funcionamento são fundamentais, não só para o perfusionista, como para toda
a equipe, que deverá trabalhar em perfeito entrosamento, de forma que nenhum
detalhe escape à observação correta e instantânea do responsável, evitando,
assim, colocar em risco a vida do paciente ou sua integridade física ou mental.
A entrada de ar no circuito arterial é um descuido
desastroso, dependente exclusivamente da atenção permanente do perfusionista,
que pode ser eventualmente auxiliado neste mister por sensores que detectem
bolhas, interrompam o bombeamento do sangue e soem alarmes.
Para que os profissionais possam realizar a técnica com
segurança, devem ter conhecimentos profundos, fortemente incorporados ao seu
raciocínio, de forma que as decisões sejam automáticas e imediatas. Para
adquirir estas habilidades, duas premissas devem ser contempladas: conhecimentos
teóricos sólidos e treinamento exaustivo em serviços que tenham condições de
ensinar com competência, responsabilidade e segurança os profissionais que se
dediquem às funções específicas nesta área de atuação.
- Discussão
Em uma revisão americana de incidentes críticos, os autores
demonstraram que 82% dos acidentes estavam associados a erros humanos. Os erros
mais comuns foram desconexões do sistema respiratório, troca de seringas com
medicações, erros no controle de fluxo de gás e alterações no fornecimento de
gases. Apenas 4% dos incidentes com desfecho negativo envolveram falha em
equipamentos, imputando-se, assim, grande responsabilidade a fatores humanos.
Um estudo australiano que analisou 896 incidentes relatou mau funcionamento de
equipamentos em 234 dos casos (26%). Os equipamentos mais comuns envolvidos
eram bombas de infusão e vaporizadores. Os maiores fatores contribuintes foram
falha na checagem do equipamento (37%), desatenção (31%), pressa (14%) e
equipamentos ou ambiente desconhecidos (10%). Os principais fatores para
minimizar esses erros foram: a reverificação dos aparelhos (38%) e a detecção
com monitores (33%). Uma revisão sobre incidentes com o uso de CEC envolvendo
671.290 procedimentos realizados em dois anos relatou 4.882 incidentes, sendo
os mais comuns: reações à protamina (871), discrasias sanguíneas (857), falhas
na bomba d’água (371), ar ou coágulo no circuito (657), dissecção arterial
(293), falhas nos oxigenadores (272) e falhas mecânicas das bombas (260).
Durante a realização de uma cirurgia para troca valvar e
correção de CIV em um paciente do sexo masculino de 49 anos e 63 kg,
observou-se coloração escura do sangue na saída do oxigenador de membrana.
Exames laboratoriais de gasometria arterial demonstraram acidose e hipoxemia
grave. A saída da circulação assistida não foi possível, pois já fora realizada
a cardiotomia. Iniciada hipotermia induzida com resfriamento ativo,
administração de tiopental sódico, aumento do fluxo de oxigênio através do
oxigenador e restabelecimento da ventilação pulmonar. Foi estabelecido um shunt
temporário entre a circulação sistêmica e a pulmonar. A circulação
extracorpórea durou 35 minutos e o desmame ocorreu sem drogas vasoativas. Ao
término do procedimento cirúrgico, o paciente foi encaminhado à unidade de
tratamento intensivo. Após 12 horas, apresentava abertura ocular espontânea,
sendo extubado após 18 horas do término da cirurgia sem sequelas neurológicas.
O sistema foi encaminhado para análise técnica e o equipamento submetido à
inspeção. Não se detectou problema com o aparelho de CEC, porém o oxigenador de
membrana apresentava uma grande fissura em sua tampa, o que impedia seu correto
funcionamento.
No relato descrito, a fissura na tampa do equipamento impedia
a correta oxigenação sanguínea. Apesar da checagem prévia do equipamento, a
fissura não foi observada na inspeção inicial. A coloração azul da tampa e o
local da quebra podem ter contribuído para essa dificuldade.
Além de fratura, o oxigenador e o circuito estão sujeitos a
outros defeitos de funcionamento. Falhas de colagem, conectores ou tubos mal
adaptados podem permitir vazamentos ou entrada de ar no circuito. Conectores
com bordas amassadas podem provocar turbilhonamento com hemólise acentuada.
Obstruções por dobras ou angulações podem impedir o fluxo, principalmente na
perfusão neonatal, onde os tubos e as cânulas têm dimensões reduzidas e
requerem fluxos relativamente mais elevados. O alto fluxo pode gerar força
suficiente na cânula arterial para empurrá-la da aorta.
Os oxigenadores de membrana oferecem resistência à passagem
sanguínea, gerando diferença de pressão entre a entrada e a saída do
equipamento. A elevação do gradiente, com o aumento da resistência ao fluxo
sanguíneo, pode ocorrer devido à deposição de coágulos na superfície da
membrana, o que compromete o correto funcionamento do aparelho e gera altas
pressões no sistema.
A obstrução do escape de gases do oxigenador de membrana pode
produzir embolia aérea. O reservatório venoso deve conter volume de sangue
proporcional ao fluxo arterial, evitando seu esvaziamento e, consequentemente,
uma injeção maciça de ar pela bomba arterial.
Outro defeito de difícil constatação é o vazamento no
permutador de calor. O rompimento de pontos de menor resistência no permutador
permite a transferência da água do sistema de troca de calor para o sangue
arterial, produzindo hemólise, intoxicação hídrica e infecção. Deve-se
respeitar o gradiente máximo de 10oC entre a temperatura da água e a do sangue
arterial, principalmente nas fases de resfriamento e reaquecimento, evitando
microembolias aéreas decorrentes de variações de solubilidade dos gases a diferentes
temperaturas.
Em suma, a participação do perfusionista não pode ser
subestimada, pois desempenha papel importante na segurança dos procedimentos de
CEC, seja por sua ação direta ou por ação dos equipamentos e aparelhos. Falha
humana, falta de manutenção preventiva, uso inadequado dos dispositivos de
segurança, falha na montagem e checagem dos equipamentos constituem fatores
capazes de favorecer a ocorrência de acidentes.
http://www.scielo.br/pdf/rba/v61n6/v61n6a10.pdf
http://www.scielo.br/pdf/rba/v61n6/v61n6a10.pdf
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